sexta-feira, 17 de julho de 2009

Ema Bovary: madame desencontrada

Ema Bovary, uma figura inesquecível da literatura universal, ainda permanece viva ao longo do tempo, por tudo o que sua personagem representou e ainda representa para a literatura.
Leitora voraz de romances, Ema moça requintada, educada em convento sabia de tudo um pouco, desde geografia, tarefas domésticas à agricultura. Era uma mulher muito fina e estava acima dos padrões provincianos:

Ema havia lido Paulo e Virgínia, tinha sonhado com a cabana de bambus, com o negro Domingos e com o cachorro Fiel e, sobretudo com a amizade de algum irmãozinho que lhe colhesse frutos maduros em árvores mais altas que torres de igrejas ou que corresse descalço na areia para lhe trazer um ninho. (FLAUBERT, 2005, p. 49).

Assim inicia a vida monótona de Ema antes do casamento com Carlos. Desde os tempos em que Ema estava internada no convento das Ursulinas, ela já demonstrava atitudes diferentes das freiras e das outras moças do convento. “Em vez de assistir à missa, contemplava no seu livro as vinhetas piedosas bordadas de azul, e emanava a ovelhinha enferma e o sagrado coração trespassado de flechas agudas (...)” (p.50). Nessa citação Flaubert critica o comportamento de Ema que ao invés de se comportar como uma freira no convento, ficava a ler romance perdida em seus devaneios.
Quando sai do convento, Ema vai para casa do pai, porém o vazio da vida no campo a angustia até que conhece Carlos Bovary nascendo uma amizade entre ambos. Ema cativa o médico com seus encantos. A princípio Ema vê na figura do médico a expectativa de uma nova vida, a de viver um grande amor como a que lia nos romances e toma a iniciativa de querer algo a mais de que uma amizade com Carlos, convidando-o para um licor. Cabeça reta, lábios e pescoço estendidos, ria do nada, apenas dava lambidas no fundo do copo com seus dentes finíssimos. (FLAUBERT, 2003, p. 36). Além de tomar a frente com o médico, Ema tem um comportamento lascivo com o intuito de despertar no rapaz interesse por sua pessoa:

Não tinha como Carlos não ficar encantado, pois a senhora Bovary além de ser uma pessoa de certa beleza e inteligência aguçada, sabia portar-se como uma verdadeira dama. Tinha os olhos grandes e escuros, na medida em que os abria, muitas vezes ofuscavam na sombra da luz do dia, se acabando na superfície do esmalte. Cabelos cacheados usava-os sempre presos com adornos, lenço no pescoço e os braços nus. (FLAUBERT, 2003, p. 47).

Após casar-se com Carlos, Ema percebe que o sonho em que tanto se espelhou nas leituras dos livros, está muito longe de se realizar, porque tudo o que a rodeia é tão chato, pacato, tornando sua vida num marasmo total. Seu marido não lhe oferece nada além de seu amor entediante, sufocando Ema, levando-a à busca de maiores sobressaltos. No começo tenta se entreter com os afazeres domésticos como a arrumação da casa, os cuidados com a vestimenta. No entanto, Ema logo se vê fechada com seus próprios sentimentos, devido a uma grande lacuna de ordem sentimental e intelectual. O marido, um homem rude, não preenchia seus sentimentos e as pessoas do campo eram sem conteúdos para estabelecer qualquer tipo de diálogo mais profundo. Até mesmo quando procurava constituir um diálogo maior com seu marido ou com o padre, não conseguia ir mais do que trocar algumas palavras, porque eram sempre as mesmas conversas sem conteúdos. Dizia para ela mesma que sua solidão começara quando havia se casado. (FLAUBERT, 2003, p. 134).
Sonhava com bailes, castelos, vestidos, uma vida de grande glamour. Desejava viver em Paris, passava horas imaginando a bela cidade. Estava por dentro de tudo assinava revistas de moda, jornais, era uma leitora assídua da literatura de massa, leituras consideradas inapropriadas e de baixa qualidade para as mulheres de bom costume. Sua sogra criticava-a pela saúde frágil e dizia que Ema deveria se preocupar com as tarefas domésticas ao invés de ler romances e esbanjar o dinheiro com gastos desnecessários.
Numa ocasião o marquês do Castelo Vaubyessard oferece um baile às famílias e convida Carlos Bovary e sua senhora. Ema fica toda eufórica. Um baile num castelo era tudo o que ela tanto almejara. Vestiu-se como uma verdadeira atriz. Arrumou seus cabelos bem alinhados e pôs seu vestido de lã fina. O marquês estendeu-lhe o braço e a conduziu até o salão. Tudo o que havia presenciado nos livros e sempre almejara estava à sua frente ao vivo e a cores. Estremeceu-se ao degustar o champagne gelado.
“Ema, atravessando a galeria em direção ao salão, viu em volta da mesa de brilhar homens de aspecto grave, com os queixos sumidos em largas gravatas brancas, todos condecorados, e que sorriam silenciosamente ao darem suas tacadas.” (FLAUBERT, 2003, p. 62). Não sabia valsar e um dos valsistas foi buscá-la. Não acreditava. Queria aproveitar cada minuto daquele momento, porque logo a noite acabaria e ela voltaria a viver enfurnada em sua casa, sem os prazeres que desejava. Tempos se passaram e a Madame Bovary nunca esqueceu o baile dado pelo marquês. Vivia sempre à espera de um novo convite:

Sua vida seguia em dias monótonos nada de interessante lhe acontecia, nem mesmo a mudança para Yonville e o nascimento da filha Berta acabaram com sua solidão. Por mais que Carlos demonstrasse seu amor, ela ainda mais o detestava. Perguntava-se o porquê do casamento, pois aquele homem nada tinha a ver com seu perfil. Não tinha curiosidade de ir ao teatro, nem mesmo um termo sobre equitação que Ema havia lido nos livros ele soube lhe explicar. (FLAUBERT, 2003 p. 56).

A única preocupação da senhora Bovary era com coisas que lhe proporcionassem prazer, demonstrava-se desnaturada para com a filha Berta. Uma ocasião empurrou a menina de cima da cama machucando-a. Ia vê-la apenas nos finais de semana, deixando a criança aos cuidados de uma ama. Dava a desculpa de que possuía a saúde frágil, o que a impedia realizar tarefas que exigissem maiores cuidados. Embora não demonstrasse atitudes de carinho com a filha, no fundo Ema não fazia aquilo por maldade, mas sim por inconformidade com a sua vida. Sentia-se desencontrada para o momento.
Não tinha nenhum cuidado em expressar suas opiniões, não se importava com o que os outros poderiam falar ao seu respeito, aprovava coisas perversas e imorais. Sempre estava lendo, até na hora das refeições era vista lendo alguma coisa. Quando alguém lhe chamava atenção tomava uma atitude dissimulada, indo para o quarto, mentindo que não estava se sentindo bem.
Conhece Leon, um homem elegante, fino, que lhe desperta grande interesse. Criam um comércio de livros nascendo uma grande amizade entre ambos. A relação com Leon faz com que Ema se apaixone pelo rapaz e ele por ela. De repente Ema começa a enxergar a vida com outros olhos, aquela solidão que ela sentia estava sendo preenchida pelo amor de Leon. Dizia muitas vezes para ela mesma que Leon era um homem culto educado, um verdadeiro cavalheiro como se lê nos romances. Ema fica deslumbrada com o conhecimento do rapaz, passando a gastar mais com roupas, com coisas que a deixassem mais bela. Até começou a rir e se demonstrar mais amena com Carlos e com Berta. Todos se perguntavam a razão da mudança de Ema. Carlos entendia que ela estava contente com a nova casa e com a filha, porém na verdade ela estava contente com o prazer de viver um amor tão sonhado.
Parecia cada vez mais bela com seus cabelos bem arrumados, olhos negros grandes, seus pés pequenos como de uma princesa. Com seu caráter místico e com oscilações, despertava em Leon muitos desejos. Passavam horas conversando a respeito de viagens, livros, ficava encantada ao comentar com o rapaz sobre as leituras graves de história e filosofia. Relutava a se entregar a Leon, talvez por indolência, medo ou pudor. Ainda cumpria os ensinamentos morais recebidos no convento. Entretanto logo Ema não resiste e comete adultério com Leon, vivendo um grande romance.
Contudo, logo o rapaz abandona-a com medo de um escândalo vindo da parte de Carlos, deixando-a entregue a uma solidão profunda sem fim. Ema adoece, nada mais lhe satisfaz, só quer saber de viver enclausurada no quarto. Debruçava-se na janela onde ficava com freqüência imaginando teatros, bailes e sua tão sonhada Paris.
Mas a senhora Bovary sequer imaginava que no meio de suas divagações na janela, ela conheceria seu outro grande amor, Rodolfo Boulanger que seguia rumo à casa dos Bovary, à procura do médico. Rodolfo fica encantado com a beleza de Ema. Onde esse grosseirão a teria encontrado. Parece uma pariense. (Flaubert, 2003, p. 151). Como a senhora Bovary não era boba, logo entendeu o interesse de Rodolfo, dando total liberdade para que algo a mais que uma amizade acontecesse.
Novamente Ema passa a se arrumar mais, vestir seus mais belos vestidos, repartindo seu cabelo de lado como de um homem. Seus lindos dentes e seus pés pequenos levantavam mais interesse em Rodolfo. Ema passa a se interessar em aprender a andar a cavalo e falar italiano para ficar mais perto de Rodolfo. Os dois começam um romance quente e ela finalmente sente o gosto da felicidade, do prazer, que tanto idealizava nos livros.
O relacionamento com Rodolfo contribui para que ela tenha uma postura mais atrevida, pois ela não se importava mais nenhum pouco com que os outros poderiam pensar a seu respeito tomando atitudes ousadas com seu amante em público. O deslumbramento de ter um amante faz com que Ema esbanje muito dinheiro, na compra de presentes para o amante. Mente para Carlos que são gastos com aulas de piano, estofados da casa. Toma conta de tudo até da vida de Carlos obrigando-o permitir que ela assine promissórias e tome decisões em seu nome. Ema Bovary toma atitudes de um homem, pois assina promissórias, fuma bebe e dirige carroça. Como toma iniciativa para tudo, Ema propõe a Rodolfo que fujam para um lugar bem distante. Embora Ema ame seu amante, ele não demonstra sequer nenhum sentimento de amor para com ela abandonando-a com medo de fugirem e Ema e Berta atrapalharem a sua vida.
Ema sofre mais um golpe por ser abandonada por Rodolfo. Se não bastasse o abandono, Ema está cheia de dívidas devido aos gastos com o amante. Sofre com medo de que Carlos descubra a sua traição. Enlouquece, pois não sabe o que fazer para quitar as dívidas que são tantas. Ema não mede esforços na tentativa de ser feliz. Além de adúltera faz de tudo para ter dinheiro, vendendo suas coisas e o pior de tudo não demonstra nenhuma preocupação com sua filha deixando-a na mais absoluta miséria. Ema na verdade sofria de Bovarismo.
O suicídio de Ema mostrou que ela era uma mulher frágil, fraca, que preferiu morrer a enfrentar a Carlos e a pobreza. Mesmo morta, Carlos quis preservar a vaidade da esposa enterrando-a com seu vestido de noiva, sapatos brancos seus cabelos soltos como ela tanto gostava, uma coroa e três caixões.
O adultério foi a maneira de ela acabar com a insipidez do lar conjugal em que ela vivia. Porém mesmo após a morte de Ema e tomando conhecimento de sua traição, Carlos não deixa de amá-la. Ema ainda o atormenta além do túmulo.Ema Bovary insatisfeita com o casamento busca o amor no adultério. Vive um mundo de imaginações e por viver esse mundo ilusório e a imaginação de viver um grande amor torna-se para ela mais verdadeira do que a oferecida pelo seu marido. Almeja viver o perfil feminino das heroínas encontradas na literatura. Ela não cometeu adultério apenas por achar bonita a idéia de ter amantes. No entanto foi mais além, não queria colecionar amantes, mas sim buscar em seus amantes homens que se parecessem mais com o ideal literário lido nos romances[1].


[1] Bovarismo: Tem a ver com a idealização de elementos que perfazem um percurso feminino, que parece ter sempre como local de origem o passado. (HOSSNE, 2000, p. 283). Tentativa de resgate. Insatisfação neurótica que se observa em mulheres, sobre tudo jovens, decorrente da mistura de imaginação e ambição, e que resulta em aspirações acima do permitido pelas condições sociais em que ocupam. (FERREIRA, 1999, p. 325).